Uma espécie de casamento forçado e nem sempre feliz.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007


Série publicada pelas organizações Globo de Televisão.

Quantos decibéis têm a tranqüilidade? Um país de condomínios, medido pelo IBGE: quase 13 milhões de pessoas vivendo em apartamentos. Quase 13 milhões de vizinhos.
Cada prédio na paisagem representa um desafio diário. Um desafio de tolerância, de paciência um desafio de convivência. São milhares de pessoas dividindo os mesmos espaços, as mesmas responsabilidades, mas cada um procurando também as suas individualidades. A privacidade possível.
Como compor a harmonia dos diferentes? Pra tentar responder a essa pergunta, decidimos visitar primeiro o Copan, o maior condomínio do país.
Quando projetou o "S" gigantesco que virou um dos símbolos de São Paulo, Oscar Niemeyer nunca imaginou que, um dia, a vida de cada um dos 1.160 proprietários estaria registrada numa pasta do síndico.
Repórter: “Quando estamos falando de bloco F, apartamento 324, nós estamos falando de quê?”Seu Afonso: “De multa!”
De Leonardo, rapaz moderno. Mas, como ele diz, com problemas de "comunicação" com o vizinho de baixo.
Repórter: “Você conhece o vizinho debaixo?”Leonardo: “Conheço só de gritar na janela.”
Quando essa turma descolada decidiu vir morar no último andar do Copan, imaginava ter chegado perto do céu. Bateram de frente com dois engenheiros.
“Depois de dez, 12 horas de serviço, tomar um banho, deitar e dormir e não consigo por causa da zoeira aqui de cima!”, afirma Eugênio Campos.
Calma, seu Eugênio. Tem mais gente sofrendo com os vizinhos. O estudante Rafael.Teles e seu saxofone. “Sai umas coisas que as pessoas chamam de garça. A palheta pega na boca e dá um barulho engraçado”.
Pelas contas do aprendiz, no mínimo mais quatro meses pra melhorar. E aí, vizinho? “Garota de Ipanema que está tocando agora. Eu não agüento mais ouvir Garota de Ipanema. Peguei um trauma”, reclama o vizinho.
Pelo menos não é no meio da noite, não é Seu Eugênio? “Sei que eles chegam aqui depois das 22h. A noite é dia pros caras!”
“Eu fico acordado trabalhando até de madrugada. Eu me sinto melhor assim”
Os jovens criativos abriram uma produtora cultural bem em cima da cabeça dos pobres engenheiros. “Um dos problemas que a gente imagina são os tacos soltos”.
Repórter: “Quanto custa pra consertar esse taco?”Leonardo: “A gente não sabe.”Repórter: “Deve ser mais barato que a multa.”
R$ 380 vezes seis. Punição total: R$ 2.280.
“De manhã eu bato com um cabo da vassoura no teto. É a minha vingança!”, conta Seu Eugênio.
O condomínio quer impedir a renovação do aluguel. Os rapazes tentam diminuir o barulho. “Agora, eu chego em casa e tiro o sapato. porque de meia não faz barulho. Eu uso meia de futebol, porque ela dura mais, então eu posso andar de meia e ela não estraga”, conta um dos sócios da produtora musical.
Pra eles, pode ser tarde. É o que diz a lei. “A convenção dos condomínios está para os condôminos como a Constituição Federal está para todos os membros da sociedade”, explica Sílvio de Souza, vice-presidente do Tribunal de Justiça-RJ.
O Código Civil prevê: é ilegal perturbar o sossego da vizinhança. E cada cidade estabelece os limites do barulho aceitável. Então, como soltar aos quatro ventos a vontade de fazer o que se quer, sem incomodar ninguém?
Será que a antropologia responde? “Eu acho que o condomínio é um microcosmos da problemática geral da vida em sociedade. Como é possível conviver com as diferenças, com as tensões que surgem com as diferenças. É preciso desenvolver mecanismos de empatia, uma sensação de que estamos no mesmo barco, temos que nos apoiar, desenvolver solidariedade básica mínima”, diz GILBERTO VELHO, antropólogo da UFRJ.
Quase um ano se passou e só agora a aposentada Lídia Lopes conheceu o vizinho barulhento da frente, cantor. Nada de queixas. Mas a paz tem regras. “Durante o dia, tudo bem. À noite, até as 22h”, diz Dona Lídia.
O cantor logo amolece Dona Lídia. Cartola é convocado para um dueto de vizinhos.
Nessa hora, ninguém se importa se o clássico desafina. Com um pouco de boa vontade, Lídia e Jéferson evitaram os espinhos da discórdia e deram força ao ditado: quando um não quer, dois não brigam.